(G1/MT)
A BR-163, principal via que corta Mato Grosso de norte a sul, completou 40 anos nesta quinta-feira (20). A rodovia que abriu os caminhos do desenvolvimento no estado começou a ser construída em 1971 por militares e civis. Atualmente, ela é o principal eixo de escoamento da produção agropecuária de Mato Grosso. Conheça as histórias de quem pôde testemunhar a inauguração deste marco para a história local.
A aposentada Ivanir Maria Callegaro, de 70 anos, foi uma das primeiras pessoas a chegar a Sinop, a 503 km de Cuiabá. Ela conta que em 1970, foi com o marido e os três filhos para o interior de Mato Grosso, onde acreditava ser uma cidade pequena. Ao chegar, se deparou com uma área quadrada descampada e seis barracos construídos. A casa dela foi a sétima edificação de Sinop.
Ivanir recorda que, naquela época, a viagem de Cuiabá a Sinop demorava cerca de quatro dias. As condições da estrada ainda eram precárias, mas como a família trouxe uma mudança pequena e muita saúde, logo tudo deu certo. Os Callegaro começaram trabalhando no comércio, mas, devido o difícil acesso, a quantidade de produtos e serviços era extremamente limitada.
“Quando o asfalto chegou na cidade, eu e meu marido até choramos de emoção. Aqui a gente só via terra batida. Coisa mais linda ver aquela extensão negra. Tudo mudou. Tudo, mesmo. Nós não imaginávamos que a rodovia traria tanto avanço para cá”, relata Ivanir.
No dia 3 de maio de 1983 aconteceu uma cerimônia de inauguração do asfalto, em Sinop, que contou com a presença do então presidente, João Figueiredo, e do então governador do estado, Frederico Campos. Filho de Ivanir, Dalmecir Callegaro se apresentou com a fanfarra da cidade, naquela ocasião.
“Antes, produtos e alimentos chegavam com dificuldades, muitas vezes de avião. Depois da rodovia, Sinop concretizou o crescimento. Todos estavam em festa, naquela inauguração”, recorda Dalmecir.
Já o pecuarista João Conte, de 68 anos, chegou a Juara, também na região norte do estado, em 1980. Para ele, a chegada da rodovia enlaça, além da história familiar, o desenvolvimento dos negócios. Conte relata que por inúmeras vezes precisou dormir na estrada com a mulher e os dois filhos pequenos.
“Não tinha posto de combustível, borracharia, e nem local para pousar. Eu estendia a rede e eu e minha família dormíamos num colchão na carroceria da caminhonete. Não faz muito tempo, mas era outra realidade”, recorda.
Conte explica que o que atraía os produtores agropecuários para a região eram os baixos valores das propriedades. Segundo ele, os compradores sabiam que enfrentariam dificuldades, principalmente no acesso às terras, mas o preço baixo fazia valer a pena.
“A dificuldade para transportar a produção incentivou a produção do gado em Mato Grosso. O cuidado com os animais é mais fácil e, na época, ainda podiam ser tocados andando. Depois [implantação] da rodovi, tudo mudou na produção”, explica o pecuarista.
De acordo com João Conte, o desenvolvimento econômico de toda a região norte de Mato Grosso é devido à construção da rodovia. Para ele, a maior preocupação dos produtores é o escoamento e a BR-163 abriu o caminho, antes inexistente, para a região do estado.
Exposição
Para celebrar o aniversário da BR-163, durante um mês a população mato-grossense poderá conhecer mais sobre a história da abertura da rodovia na exposição “40 anos da BR-163 – Uma estrada com quilômetros para contar”. A exposição ficará aberta ao público no Pantanal Shopping até o dia 3 de novembro. De 5 a 20 de novembro, a exposição estará no Goiabeiras Shopping.
As imagens expostas pertencem ao acervo do 9º Batalhão de Engenharia de Construção (9º BEC). As fotos mostram trabalhadores durante a construção da estrada, assim como locais do dia a dia deles, como acampamentos e refeitórios.
Além disso, entre os objetos da expostos está uma flecha que atingiu um dos trabalhadores da rodovia e foi lançada pela tribo Kranhacãcores, conhecidos como os 'Gigantes da Amazônia', devido à altura dos seus integrantes. De acordo com os organizadores da exposição, os indígenas ainda não haviam tido contato com outros homens e, na época, os antropólogos.
Orlando, Cláudio e Leonardo Villa-Bôas foram convidados para intervir na comunicação entre as tribos e as frentes de trabalho da construção da estrada.
Há também a exibição de um vídeo com o depoimento do agricultor Munefumi Matsubara que comprou terras em Lucas do Rio Verde, a 360 km de Cuiabá, se baseando apenas em um mapa. Posteriormente, descobriu que a BR-163 passaria dentro da propriedade dele.
Entre os recursos da mostra, o visitante ainda pode viajar até a rodovia usando óculos de realidade virtual 3D e conhecer o trecho de 117 quilômetros duplicados, de Itiquira a Rondonópolis, a 359 km e 218 km de Cuiabá, respectivamente.
O evento é realizado pela Concessionária Rota do Oeste e pelo 9º Batalhão de Engenharia de Construção (9º BEC), com apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja).
História
Para que a estrada fosse aberta seguindo o Plano de Integração Nacional do Governo Militar, o 3º Batalhão Rodoviário, de Carazinho (RS) foi transformado em 9º Batalhão de Engenharia de Construção (9º BEC), que se instalou em Cuiabá. O lema do plano era “Integrar para não entregar”, pois o objetivo era ocupar as áreas do Oeste do Brasil para não perdê-las a outros países.
As obras começaram em 1971, com equipes de militares e civis contratados pelo 9º BEC sob o comando do Coronel José Meirelles e que seguiriam rumo ao Pará. De acordo com o tenente-coronel comandante do batalhão, Ronaldo Matias Soares, durante os anos de construção 25 pessoas morreram.
“Temos muito orgulho da história da construção dessa rodovia. Ela foi a grande responsável pelo desenvolvimento do estado, tão significativo na economia do país. O escoamento da produção mato-grossense até os portos nacionais é centralizando na BR-163”, disse Soares.
Outra equipe, do 8º Batalhão de Engenharia de Construção (8º BEC), instalado em Santarém (PA), partiu na abertura da rodovia rumo a Mato Grosso. As duas equipes se encontrariam na Serra do Cachimbo, divisa dos dois estados, mas, de acordo com o tenente-coronel Soares, os militares mato-grossenses tiveram mais facilidade no trabalho, e avançaram um pouco mais do esperado.
A entrega da obra à população foi realizada em 20 de outubro de 1976 pelo presidente em exercício, Ernesto Geisel. A cerimônia ocorreu no quilômetro 877 da rodovia, próximo à Cachoeira do Curuá, no Pará. Segundo registros do jornal O Estado de Mato Grosso, a estrada foi avaliada em 600 milhões de cruzeiros.
A partir de então, a estrada permitiu que o Governo Federal estimulasse o povoamento do Centro-sul e Norte do Estado por meio da compra de lotes que se transformaram em propriedades rurais. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Mato Grosso é o estado brasileiro que mais produz soja, com 26 milhões de toneladas, em 2015. Além disso, o estado e tem o maior rebanho bovino de corte do país, com 29 milhões de cabeças, segundo o Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso (Indea)