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Matogrossense, fênomeno das artes marciais, luta contra falta de apoio

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(rdnews)

O escritor alemão de origem tcheca Franz Kafka escreveu que a vida é tão cheia de improbabilidades que mesmo uma viagem de uma vila à outra, descontados os dissabores e aflições próprios dessas incertezas, é temeridade grande o suficiente para não ser enfrentada. Ele não conheceu Igor Fernando Queiroz.

Este cuiabano de 15 anos, na mão contrária de sua origem humilde, é um artista marcial em formação física, mas pronto no espírito e na gana com que encara e derrota tudo (falta de dinheiro, cansaço, alimentação adequada a um atleta de ponta, distância até a academia onde treina, desprovimento de uma equipe multidisciplinar para dar-lhe suporte adequado) ainda antes de pisar no tatame.

Ao destino reservado no mais das vezes aos seus iguais, ele opõe golpes, de judô, tae-kwon-do, jiu-jitsu e, ultimamente, luta greco-romana (para efeitos de competição, luta olímpica). Em todas essas modalidades, participa de campeonatos e, mesmo sem esquecer o velho ditado do importante é competir, tem por hábito mesmo é vencer.

Conta, em sua curta carreira, com mais de 50 medalhas conquistadas. Em tudo por quanto participa, bate, se dedica e luta. Artista marcial de primeira, conhece e respeita todas as modalidades.

Não importa se a origem é a Coreia, a Índia, o Japão, a Grécia e, eventualmente, até mesmo a Tailândia, pois ele já ganhou uma medalha de primeiro lugar numa competição de Muay Thai, ainda que jamais tenha recebido treino formal desse estilo. “Me chamaram para competir, eu falei, mas é muay thai, meu amigo insistiu e, disse: tenta. Eu fui”. Foi e voltou com o peso extra da medalha de campeão.

A mais recente e, até agora, maior conquista foi o primeiro lugar da terceira etapa do Torneio da Juventude em Luta Olímpica Estilo Livre até 76 kg, em Natal (capital do Rio Grande do Norte). Com o título de campeão, atingiu o índice para participar das Olimpíadas da Juventude do ano que vem. Está pré-convocado. Entre ele e o segundo colocado, 20 pontos de distância.

Deve ir – não sabe ainda, pois não conseguiu patrocínio adequado, somente a passagem, dada pela SBW (Seleção Brasileira de Wrestling) – para um torneio internacional na Argentina, entre os dias 11 e 19 de dezembro deste 2016. Custos com treinamento em solo argentino e estadia ainda não foram obtidos.

“Perdi pontos no ranking porque não tinha dinheiro para a passagem, corri o risco de perder o índice olímpico”

Como já dito, o inegável sucesso nos tatames e arenas não é o suficiente para garantir-lhe o básico que conseguiria em qualquer país onde arte e esporte são levados a sério. Ele não tem apoio, não tem patrocínio. Sempre que viaja é por meio das rifas organizadas com a ajuda do pai e da mãe e as quais ele mesmo sai para vender, numa espécie de terceiro período de treino, gastando a sola dos sapatos.

Sapatos estes, aliás, que ele não tinha quando obteve sua penúltima medalha, no Rio de Janeiro, quando ficou em segundo lugar no Arnold Class, promovido pelo ex-ator e político austro-norte-americano Arnold Schwarzenegger.

Explicamos: a luta olímpica ou greco-romana (wrestling nos Estados Unidos) exige uma sapatilha especial (cujo modelo mais simples custa R$ 350). Ele havia sofrido um assalto à mão armada na esquina da casa dele, no bairro Tijucal, e teve todo seu equipamento levado cerca de um mês antes. Nada de mais, pra ele, acostumado a deixar passar qualquer que seja a dificuldade.

Gilberto Leite

Igor e pai Pablo

Igor ao lado do pai Pablo, um dos  incentivadores do atleta que, sem ajuda, tem conquistado medalhas

Morador de um bairro de periferia, sabe desde cedo o valor de ter senso comunitário. E foi por saber chegar e sair que pôde contar com a solidariedade de um colega carioca, Gabriel Teles, que calçava o mesmo número que ele e, no intervalo entre uma luta e outra, emprestava a Igor suas sapatilhas.

Venceu cada etapa e ficou em primeiro lugar no estilo livre, o que o credenciou a participar da mesma competição em São Paulo, mas veio então o revés de sempre: a falta de recursos. Ele não pôde ir à maior cidade do país por falta de recursos financeiros. Era a segunda etapa do Arnold Class. “Perdi pontos no ranking porque não tinha dinheiro para a passagem, corri o risco de perder o índice olímpico”, expõe, sem drama, o momento ruim.

O lado bom foi que a primeira vitória trouxe o prêmio adicional de um convite da Seleção Brasileira de Luta Olímpica para participar de treinamentos específicos e até mesmo para migrar para uma cidade maior, melhor estruturada para prática do estilo. O pai, Pablo Queiroz, apoia cada passo do filho e procura orientá-lo conforme as coisas vão acontecendo. Era o momento de perguntar a Igor qual seria a decisão, deixando claro que apoiaria qual fosse o caminho a ser seguido.

A resposta foi clara e firme. “Quero me tornar um grande atleta no meu Estado, defender medalhas e títulos pela minha terra, que não tem tradição nessa modalidade”. O pai assentiu e recebeu promessas estatais de receber o apoio necessário para honrar a agenda esportiva conquistada. Algo que não foi feito, sob o risco de perder a atual colocação, de primeiro no ranking brasileiro de sua categoria.

Convém explicitar, entretanto, serem os resultados do menino fruto de trabalho duro, derivada de uma rotina pesada de treinamento. Rala no jiu-jitsu todos os dias, quatro horas. Tudo começa no cross-fit entre as 16h e 17h, depois treina jiu-jitsu das 17h30 às 18h30, auxilia no treino das crianças entre 18h30 e 19h30 e daí em diante treina com os adultos até as 20h30. Encerra tudo treinando luta olímpica. Durante as manhãs e inícios de tarde, a rotina normal de um adolescente, escola, estudos, alguma distração.

Ele também é praticante de jiu-jitsu e cedo percebeu a aptidão do filho pelas artes marciais. Estranhou mas não criticou a escolha pelo tae-kwon-do, estilo estudado por um ano. Depois desse período, Igor já queria migrar para o jiu-jitsu. “Mas eu expliquei a ele que, como havia escolhido aquela arte marcial, ele deveria primeiro fazer todo o ciclo do estilo, graduar-se, conseguir faixas, e só então começar a praticar outra, pra não deixar nenhuma das modalidades que viesse a escolher na metade do caminho”, conta o pai. Era o fim de 2014.

Primeiro sensei do filho, Pablo começou a lutar tarde, mas sempre esteve atento ao talento de sua cria. Todo apoio dado, começaram os resultados pouco tempo depois. Com um ano e meio de jiu-jitsu, Igor venceu oito competições em apenas uma temporada. Foi a partir daí que chegou à luta olímpica e a pré-convocação para a Olimpíada juvenil. Perguntado se a meta era chegar algum dia também ao índice para a Olimpíada adulta, responde na maior calma: “eu estou me dedicando desde já”.

Seu pai lembra, não obstante, que um atleta de alto rendimento tem custos adicionais muito além de passagens, estadias, equipamento de treino. Precisa também de alimentação adequada, um plano de saúde de ponta, com acompanhamento médico especial, fisioterapeuta, nutricionista, entre outros profissionais. Por ora, ainda não tem nada disso, salvo o auxílio de amigos e fãs.

Quem estiver com vontade de contribuir para o seguimento do caminho do atleta (conquistou 25 medalhas, entre competições estaduais, nacionais e internacionais, nas modalidades de jiu-jitsu, tae-kwon-do, judô e luta olímpica) pode conversar sobre como fazer isso enviando um email para [email protected] ou para o próprio Igor no endereço [email protected].

A reportagem termina perguntando quando, enfim, Igor percebeu que a alegria de praticar uma arte marcial poderia tornar-se um meio de vida. Dono de um senso de responsabilidade assustador para quem completou quinze anos há dois meses, dá uma resposta firme, concisa e suave como a arte na qual é especialista. “Já entrei no jiu-jitsu com vontade de ganhar, pra ser alguém no esporte, não só por hobby, porque ganhei uma bolsa na Academia Detonando pra estar lá. Como eu não pago, pra mim, treinar é meu emprego. No tae-kwon-do, tinha nove anos, eu treinava só por treinar, mas não no jiu-jitsu”. 

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