(GE)
A ausência forçada da Olimpíada no Rio de Janeiro já era motivo suficiente para um período de luto e resiliência para o ponta Felipe Borges, maior goleador e talvez o principal destaque da atual seleção brasileira de handebol. O corte da equipe por conta de uma lesão no ombro, porém, era apenas o começo de um período de incertezas na carreira do paulista de 30 anos. Campeão do Pan-Americano da modalidade com o Brasil, em junho, ele se machucou na decisão contra o Chile, em duelo disputado em Buenos Aires, na Argentina, e a partir daí tem passado por maus bocados. Com contrato fechado com o Sporting, de Portugal, teve o vínculo rescindido, precisou passar por uma cirurgia e ainda em recuperação passou do status de indispensável a sem clube, vivendo apenas do seguro desemprego em Montpellier, na França, fato conseguido através do ex-clube que o acolheu para que não ficasse completamente desamparado.
– Depois da Olimpíada, entrei em contato com a Confederação Brasileira de Handebol, com o presidente (Manoel Oliveira). Eles disseram que tentariam me ajudar. Que ficaram sentidos. Mas estou esperando até agora para ver o que vai acontecer. Espero que achem alguma solução. Pode acontecer com muitos jogadores atuais no futuro. Lutamos para ter um seguro. Se algo acontece com o atleta na seleção, o responsável é a seleção e não o clube. Eles podem arcar com cirurgia e parte de recuperação, mas na financeira não há ajuda hoje. Nenhuma. Se eu já não tivesse um mínimo de tempo de contrato com o Montpellier, não teria ajuda alguma, nem seguro desemprego. Nós atletas já expusemos isso e queremos nas próximas competições que isso aconteça – afirmou o jogador, que só receberá o valor até junho e a partir daí, caso não encontre um clube, terá que se virar de outra forma.
Ao contrário do que acontece com os atletas da NBA, por exemplo, os jogadores que representam as seleções brasileiras de handebol não contam com seguros para que atuem em competições internacionais pelo Brasil. No basquete, em caso de lesão durante torneios pelos seus países, os jogadores recebem o valor integral ou parte do salário a que teriam direito pelo período em que ficarem indisponíveis, livrando ambos de prejuízos. Sem esse artifício, além de lesionado, Borges perdeu o vínculo assinado com o Sporting, que para se proteger inclui nos contratos uma cláusula que permite a equipe a rescindir com os atletas caso os mesmos se lesionem e fiquem fora das quadras por mais de 60 dias.
De volta à França, Borges teve a sorte de ainda ter semanas de contrato com o Montpellier. A boa relação com o clube, onde foi campeão da Copa da Liga e da Copa da França mesmo diante do todo poderoso PSG, o fez ser ajudado. O clube se comprometeu a operá-lo e ajuda na recuperação. Mesmo sem contrato, ele faz fisioterapia e treina nas instalações da equipe. O apartamento que tinha, contudo, teve que ser devolvido. Agora, se sustenta com o seguro desemprego francês, valor que não chega a 20% do salário que recebia antes. É o suficiente para comer e pagar o aluguel. A filha Valéria, de dois anos, e a esposa, foram para a Espanha para morar com os sogros, onde podem economizar.
– Não dá estabilidade. Fico sempre no aperto. O dinheiro dá para pagar o aluguel, a conta de luz. Para dar de comer a minha filha. Só isso. Fico no aperto todo mês. Não é nada tranquilo – explicou Borges.
JOGADOR AGUARDA A CBHB
Como se machucou em ação pela seleção brasileira, Borges esperava um auxílio da Confederação Brasileira de Handebol (CBHb). São dez anos de seleção adulta e mais incontáveis anos desde as categorias de base. Para a Rio 2016, Borges era uma das esperanças de gol da seleção que mesmo sem ele teve a melhor participação da história, avançando às quartas de final e parando apenas na bicampeã olímpica França. Sem nenhuma ajuda financeira da entidade, ele ainda aguarda uma resposta da diretoria que está ciente da sua situação na Europa.
– Faltou a confederação me abraçar um pouco. Se eu não ligo para perguntar, não ia receber um telefonema. Se não fosse atrás, acredito eu que não teria nada. Não recebi uma mensagem de como estava, do que aconteceu. O Jordi (ex-técnico da seleção) sempre esteve preocupado, se tinha que operar… Ele foi o que mais se preocupou. Mas a diretoria da confederação não teve nenhum tipo de acolhimento e preocupação, orientação, uma ajuda financeira, de custos, algo desse tipo. Isso pode acontecer com qualquer um, com um juvenil, júnior… E acredito que a confederação tem que ser responsável por isso. Se eles não podem ter (o seguro), que avisem de antemão. E aí o jogador escolhe se vai ou não. Mas é difícil um jogador dizer não para a seleção. Se todos disserem não, vamos cair novamente para o último lugar na Olimpíada.
Em conversa com o GloboEsporte.com, o presidente da CBHb, Manoel de Oliveira, disse buscar uma alternativa para a situação de Borges. Com o contrato com os Correios em processo de renovação, mas bem abaixo dos valores atuais, o mandatário diz que todos os recursos estão com destinação definida, porém não desistiu de contribuir com o atleta. Contudo, não explicou de que forma ou se existe um plano para auxiliar o ponta.
– A Confederação Brasileira de Handebol tem ciência do problema que aconteceu com o Borges e nós estamos tentando encontrar uma solução. Não é fácil. Todos os nossos recursos estão comprometidos. Eu já falei com ele sobre isso e estamos tentando encontrar essa solução para ajudá-lo. A ideia é encontrar uma forma de ajudá-lo economicamente. Nós não trabalhamos com a possibilidade de buscar um clube para ele. O que queremos é uma forma de ajudá-lo economicamente, só que não está fácil – disse Manoel.
Sobre a possibilidade de ter um seguro para os jogadores no futuro, Manoel frisa que a entidade trabalha pela medida. Em janeiro, na França, o Brasil joga o Mundial adulto.
– Esse assunto já foi discutido entre a confederação e um grupo de atletas em uma conferência pela web. Pedimos ajuda a eles para sabermos onde existe esse seguro e como funciona. É um assunto que nos preocupa e queremos encontrar uma solução. Inclusive, para ratificar, estamos discutindo entre nós presidentes de confederações do Brasil um modelo que possa ser feito aqui. Infelizmente, esse seguro que previne e pode pagar o salário dos atletas não existe no Brasil – explicou Manoel.