(folhamax)
Em entrevista ao site da revista Veja nesta terça-feira, a juíza da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, Selma Rosane Arruda, admite a possibilidade de entrar na política para propor leis anti-corrupção. No entanto, adota uma condicionante: viria a ser candidata somente se estivesse muito frustrada na aposentadoria de magistrada. “Não penso em questão política. Pelo menos, por ora não. Talvez até fosse pensar se eu me aposentar decepcionada. Se alguma investigação fosse anulada ou se precisasse de uma intervenção legislativa, eu não ia me furtar a me candidatar não”, declarou.
Na reportagem, a magistrada destaca a descoberta de casos de corrupção em Mato Grosso. Além disto, aposta que noutros estados a “onda vai chegar quando se deixar de pegar os peixes pequenos”.
A magistrada ainda defendeu alterações na lei de colaboração premiada e citou o recente exemplo da Operação Filhos de Gepeto na qual o advogado Júlio César Domingues Rodrigues desmentiu o delator inicial, o advogado Joaquim Mielli, comprovando que este estaria blindando o deputado estadual Romoaldo Júnior (PMDB) e o seu chefe de gabinete, Francisvaldo Mendes Pacheco, que foi preso no dia 05. “Isso é um exemplo claro a mentir na colaboração, o que pode transformá-la de um instrumento de muita utilidade em um instrumento de impunidade e de destruição total da persecução penal.
CONFIRA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA
Mensalão é coisa do dia a dia, diz juíza de Cuiabá
Apontada como o “Moro de saias”, Selma Arruda defende mudanças na lei da delação e admite entrar para a vida política para propor leis anti-corrupção
Ela causou alvoroço no Mato Grosso ao anunciar, há poucos meses, que políticos e empresários estavam pegando senha para fechar delações premiadas. Gaúcha radicada em Cuiabá, Selma Arruda, titular da 7ª Vara Criminal da capital, assinou a ordem de prisão contra o ex-governador Silval Barbosa (PMDB), detido há mais de um ano sob a acusação de chefiar uma quadrilha de fraude em licitações, e contra o ex-presidente da Assembleia Legislativa mato-grossense José Riva, considerado o maior ficha suja do país. Às vésperas de poder se aposentar, Selma já foi alvo de ameaças de morte tanto de políticos quanto de facções criminosas que agem no estado e admite agora entrar na política para propor leis contra a corrupção. Passa dia e noite sob a escolta de seguranças, estuda Direito enquanto caminha na esteira da academia e critica a percepção de que Mato Grosso seria um dos estados mais corruptos do país. Apontada como o “Moro de saias”, em referência ao juiz da Operação Lava-Jato, ela diz que o quadro de corrupção no país é sistêmico, como se o esquema do mensalão se renovasse cotidianamente, e, diante da recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), alerta para o risco de juízes serem corrompidos para evitar que poderosos sejam presos já em 2ª instância. A seguir os principais trechos da entrevista concedida pela juíza Selma Arruda a VEJA.
Veja – A corrupção no Mato Grosso é acima da média?
Selma – A corrupção no Mato Grosso é sistêmica. Mas a impressão que tenho é que nos outros estados isso ainda não foi descoberto. É o sistema que funciona dessa forma. Você não vai subir para um cargo de deputado se não puder indicar três ou quatro caras na administração. E vai indicar uma pessoa para ser secretário para quê? Óbvio que é para fazer fraude e te trazer dinheiro. Não existe outra forma. No Mato Grosso demos sorte de pegarmos já de cara figuras muito proeminentes, como o ex-governador Silval Barbosa e o ex-presidente da Assembleia José Riva. Isso acabou causando um medo geral, um certo pânico. Com isso as colaborações vieram e os escândalos estão vindo à tona. Quando falam que vai ter operação é uma correria só. Nos estados em que estão pegando só os peixes menores, isso vai demorar mais a aparecer. Mas aposto o meu pescoço que vai aparecer em todos.
Veja -Diante de tantos escândalos de corrupção, o crime de colarinho branco é o que está mais em evidência?
Selma – O assunto está muito em voga diante da discussão de que só se prende preto e pobre. Agora as prisões estão se invertendo também para outras pessoas e isso tem chamado a atenção. Se por um lado é bom, a decisão do Supremo de garantir a prisão já em segunda instância me deixou preocupada. Agora a corrida vai ser conseguir a qualquer custo a liberdade porque só livres é que eles conseguem postergar o andamento dos processos. Se chegar à segunda instância eles estão lascados. E quando falo em liberdade a qualquer custo, isso inclui acelerar delações, mas também tentar corromper o juiz. A magistratura não está longe desse contexto, ela não está fora deste cenário de corrupção sistêmica. A gente sabe que tem bastante possibilidade disso acontecer.
Veja – De todas as prisões que a senhora decretou, qual foi a que mais chocou? Ou não se choca mais?
Selma- Cada uma delas é muito triste, mas os dois que me chocaram mais foi o primeiro caso da Operação Imperador, do José Riva e o escândalo dos 68 milhões de reais em desvio de gráficas e empresas fictícias. Havia falsificação de documentos em verdadeiras fábricas, fábricas de documentos falsos, fábricas de empresas fantasmas. Fico imaginando os cidadãos sentados inventando endereços, inventando laranjas. É muito triste pensar que uma autoridade que leva milhares de votos tenha a capacidade de fazer uma coisa dessas. Outra que chocou foi prender o ex-governador Silval Barbosa. Ele tinha acabado de sair do cargo, praticamente não tinha esfriado a cadeira e teve a prisão decretada.
Veja – Em 2015, a Polícia Federal realizou mais de 20 operações no Estado. As investigações vão chegar em autoridades maiores do que o ex-governador Silval?
Selma – Essas organizações criminosas não são fechadas, em que se descobre ‘esse é o chefe’. Fico triste porque todo mundo olha para o Mato Grosso e acha que só aqui tem corrupto. Estão enganados. Isso é geral. O mensalão não foi um episódio isolado. O mensalão, na verdade, é coisa do dia a dia de pessoas corruptas. Até hoje só mudam os personagens, mas o sistema é o mesmo. Assim como a Lava-Jato. Todos os estados têm sua própria Lava-Jato, mas em alguns estados há uma cegueira deliberada a esquemas de corrupção. Fico muito preocupada quando as pessoas pensam que só há duas esferas de corrupção no Brasil: a Lava-Jato e Mato Grosso. Enquanto isso, tem prazo prescricional correndo a rodo. Quando forem descobrir outros esquema de corrupção pode ser tarde demais.
Veja – A senhora foi alvo de ameaças de morte tanto do crime organizado quanto de suspeitos de colarinho branco. Algum amedronta mais ou tolheu seu trabalho?
Selma – Medo é uma coisa meio subjetiva. Tenho cuidados. Tenho família e não vou ficar arriscando porque não sou boba. Mas medo de não dormir hoje ou pensar em ter de me esconder, isso eu nunca senti. Levo uma vida normal com algumas precauções. Tenho segurança até para resguardar o próprio Judiciário. Se alguma coisa acontece numa circunstância dessa, desgasta tudo, até o próprio Judiciário.
Veja – A senhora tem direito a aposentadoria em 2017. Pensa em entrar para a política?
Selma – Tem dias que eu penso que vou me aposentar e sumir daqui. Tem dias que penso ‘eu não saio daqui enquanto não resolver essa situação’. É muito variável meu humor nesse sentido. Não penso em questão política. Pelo menos, por ora não. Talvez até fosse pensar se eu me aposentar decepcionada. Se alguma investigação fosse anulada ou se precisasse de uma intervenção legislativa, eu não ia me furtar a me candidatar não. Até de birra. Quando você está no front de uma guerra, você se queixa que a sua arma não está boa, que a sua vestimenta não está adequada, que seu colete à prova de balas não é bom como queria. Mas quando se pode comprar a arma adequada e munir soldados com o que eles precisam, também se tem esse dever. Se tudo hoje de que me queixo – excesso de prazos processuais, excesso de recursos, prazo prescricional muito curto, falta de estrutura no Judiciário – não mudar, posso ir para o Legislativo para propor leis, para aprimorar a lei da colaboração premiada.
Veja – Em que pontos acha que a lei da delação deve ser aprimorada?
Selma – A lei das organizações criminosas tem muita lacuna e está deixando muita gente rica. Tem muita coisa por debaixo dos panos que acontece nesses meandros jurídicos, como um advogado atuar na defesa do delator e poupar alvos a serem delatados. Há casos de um colaborador que fez suas declarações, o processo andou e no final um dos réus resolveu mostrar uma gravação que ele tinha que, além dos réus que estavam no processo, havia mais um outro oculto, e este, sim, um poderoso, um deputado no exercício do mandato. O que se descobriu é que o advogado do réu que tinha a gravação também já foi advogado oculto desse deputado. Ou seja, a delação foi feita para blindar o deputado. Quando pode se cancelar essa colaboração? Só depois que eu der a sentença no processo principal e complicado e ela transitar em julgado. Isso é um exemplo claro a mentir na colaboração, o que pode transformá-la de um instrumento de muita utilidade em um instrumento de impunidade e de destruição total da persecução penal.